Monday, September 3, 2012

Energia a partir do lodo

Energia a partir do lodo

Experiências internacionais e até uma de MG mostram que rejeito de estação de tratamento de esgoto pode ser transformado em combustível e fertilizante, e poluir menos os aterros

Felipe Canêdo

Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A máxima do químico francês Antoine Lavoisier pode servir como meta para uma tecnologia que começa a ser difundida no Brasil, aproveitando até o asqueroso lodo proveniente de estações de tratamento de esgoto para gerar energia e reduzir o impacto ambiental causado pelo armazenamento de milhões de litros de resíduos em centenas de aterros sanitários espalhados pelo país. A crescente demanda por sustentabilidade e consciência ambiental do momento em que vivemos alavanca a busca pelo aproveitamento máximo de absolutamente tudo na sociedade, inclusive o composto fétido que desce diariamente pelos encanamentos das grandes cidades. A possibilidade de gerar energia elétrica a partir dele empolga estudiosos e empresários em todo o mundo.

Uma empresa norueguesa desenvolveu um novo processo chamado hidrólise térmica, onde o lodo do tratamento de esgotos é colocado em um equipamento que simula uma grande panela de pressão. Posteriormente, com alta temperatura e pressão, a tampa é aberta abruptamente e as células das bactérias estouram, o que faz com que o conteúdo dentro delas seja liberado. Isso faz com que a digestão do material seja feita de forma muito mais rápida e eficiente, e que o volume do lodo seja reduzido ao máximo. Outra tecnologia que aumenta a eficiência do digestor ainda mais é a de uma empresa alemã, que pega o lodo já digerido pelas bactérias e o incinera, aproveita os gases da queima em microturbinas para gerar mais energia.

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) aproveita o gás gerado pelo lodo para girar turbinas e produzir energia em uma das suas estações de tratamento de esgoto, em Belo Horizonte. Com capacidade de gerar 2,4 megas de energia - quantidade que pode abastecer uma cidade de 15 mil habitantes - a estação poderia ser autossustentável, mas não pode usar 100% da energia gerada por ela mesma, devido à legislação vigente.

O superintendente de Serviços e Tratamento de Afluentes da companhia, Eugênio Álvares de Lima e Silva, afirma que poderá haver interesse de futuramente aproveitar novas estações no estado - as que têm capacidade de processamento de 100 litros por segundo - para aproveitar energia. O engenheiro defende que há vantagens significantes para se usar a nova tecnologia e conta que a empresa está construindo uma estação mais avançada em Ibirité, na Região Metropolitana de BH. "Estamos em obra para construir uma outra estação, que vai aproveitar também a queima do lodo, que quando seca vira praticamente um carvão e pode servir como combustível", diz.

O gerente de tecnologia do Grupo Águas do Brasil, que reúne empresas que operam no setor nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas, o engenheiro químico André Lermontov, concorda que o processo pode representar avanços tanto econômicos como ambientais, mas ressalta que ainda há muito a ser feito no país. "No Brasil, o pensamento é assim: o lodo é um produto que vai gerar despesa com transporte para um aterro sanitário. Lá fora, querem projetar estações para gerar o máximo de lodo possível, para gerar mais energia", explica. O tratamento da matéria orgânica dos esgotos é feito em reservatórios com bactérias, que consomem resíduos em um processo que tem como subproduto o gás metano, e a energia elétrica é obtida com o seu uso.

"O lodo é uma massa de bactérias, e elas saem de dentro do reator em uma concentração muito diluída", afirma Lermontov, "em uma proporção de aproximadamente 98% de água e 2% de bactérias". O engenheiro argumenta que, diante disso, paga-se para transportar água para um aterro sanitário. Quando o lodo é aproveitado para a geração de energia, a concentração do composto chega a 20% de bactérias. Portanto, além da energia que pode subsidiar as estações de tratamento, o volume de rejeito que segue para os aterros sanitários é menor, explica.

Lermontov admite que o investimento é maior para que se possa obter energia do lodo: "Você precisa comprar os equipamentos necessários, mas torna sua estação muito mais sustentável", argumenta. Inclusive, ele lembra, o gás metano que é usado é considerado um destruidor da camada de ozônio. "Além disso, o ganho de energia e a redução nos gastos com aterramento valem a pena", ressalta. Outra questão a ser levada em conta é que o processo também está de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecida em 2010, sancionada no ano passado e que cria diversas metas a serem cumpridas pelos municípios brasileiros até 2014.

TENDÊNCIA MUNDIAL O presidente do Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços de Água e Esgotos (Sindcon), Giuliano Dragone, também defende a tecnologia: "É uma tendência mundial, isso está virando moda". Ele relata que o país sofre com pouca eficiência operacional na gestão do saneamento e lamenta: "Ninguém imagina o tanto de lodo que é gerado no tratamento do esgoto. E isso é porque nós não tratamos nem 40% do nosso esgoto. Imagina quando tratarmos tudo?", ressalta.

O lodo que é processado no digestor anaeróbio, onde o ar é retirado do reservatório e bactérias fermentam o material orgânico, pode ser usado como fertilizante em alguns produtos agricultáveis que não sejam de consumo primário ao ser humano, como a cana-de-açúcar, que produz o etanol. Depois que o gás é queimado para gerar energia, o volume do lodo também diminui em até 40%, o que seria outra vantagem no processo de tratamento desse material. "Outra benesse é que ele se torna inerte, estável e livre de agentes patógenos", explica André Lermontov, o que quer dizer que todas as bactérias morrem no processo.

 

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