Thursday, November 16, 2017

Profissões que vão acabar

DAVID COIMBRA

·         ZERO HORA

·         P. 39

Profissões que vão acabar

Ontem escrevi sobre o tomate porque queria escrever sobre os italianos até chegar à gasolina - um caminho óbvio. Triste coincidência ocupar-me dos italianos justamente no dia em que foram eliminados da Copa...

De qualquer maneira, a verdade é que não há como falar de italianos sem falar no tomate, mais especificamente no molho de tomate. E, ao escrever sobre italianos (para chegar à gasolina), pretendia contar a respeito do Eataly, um lugar formidável que existe aqui em Boston.

Eataly é uma junção de palavras em inglês: eat e Italy. Comer e Itália.

Itália tem tudo a ver com comida. Os franceses conquistaram a fama de desenvolver uma culinária sofisticada, e até a merecem, mas a cozinha italiana é mais sensual. Uma é afeto, a outra é paixão. Uma é o drible, a outra é o gol. Uma é Proust, a outra é Hemingway. Uma é Grazi Massafera, a outra é Carolina Dieckmann, uma fala fazendo biquinho, a outra fala com as mãos.

No Eataly, você encontra produtos da culinária italiana - todos os tipos de massas e queijos, e mais copas e salames e salamitos e vinhos (se bem que prefiro os franceses) e, é claro, tomates. Você poderá adquirir apetrechos de cozinha, como facas e facões, panelas e caçarolas, copos e taças, e mais pães de semolina duros e panetones macios. Tudo o que lá é oferecido é de primeiríssima categoria.

Há Eatalys em Nova York e Chicago, e recentemente abriu um em São Paulo. Para você ter uma ideia do quanto eles prezam a qualidade, emissários do Eataly visitaram estâncias gaúchas em pesquisa para escolher as carnes que seriam servidas na filial paulista. O melhor. Eles queriam o melhor.

Gosto de ir aos restaurantes do Eataly. São excelentes, mas têm um defeito: estão sempre lotados. Você precisa entrar em listas de espera. Pois, dia desses, entrei na lista e dei o número do meu telefone para que chamassem quando a mesa estivesse pronta. Enquanto isso, fui dar uma passeada pelas imediações. Aí entrei no local que motivou essa parelha de crônicas.

Foi a loja do Tesla.

O Tesla é um carro elétrico feito nos Estados Unidos. Tem vários modelos. Vi dois que estavam em exposição, sentei no banco do motorista, fiz perguntas aos vendedores. Não que seja entendedor de carros. Ao contrário, só sei reconhecer carros dos anos 1970, o Fusca, o Opala, o Maverick, o Corcel, a Kombi. A Brasília eu confundia com a Variant. Os de hoje, não sei quem é quem. Meu filho de 10 anos de idade entende mais de carro do que eu. Mas tinha curiosidade a respeito desse elétrico, por tudo que li a respeito. Então, lá estava eu, me imiscuindo feito um amante do automobilismo.

Fui olhar o motor e sabe o que vi? Coisa nenhuma. Não havia motor na frente nem atrás.

- Onde é que está o motor? - perguntei para a moça.

- Nas rodas.

Nas rodas! É um carro com pouquíssimas peças, que pode ser abastecido em casa, plugado em uma tomada especial.

Ainda não há muitos Tesla rodando pelas ruas americanas, porque a gasolina aqui é baratíssima - com US$ 25 você enche o tanque. Mas a mudança é questão de tempo. Em outros países, tempo determinado: a Alemanha, a Inglaterra, a França e até a China já decidiram que vão abolir os carros movidos a combustível fóssil em 20 ou 30 anos.

Você sabe o que isso significa? Que profissões como mecânico de automóvel e frentista de posto vão acabar. E que empresas gigantescas, como a Petrobras, serão tão importantes quanto fábricas de máquina de escrever e de fita cassete. Por fim, significa que países como o Brasil, que investem pesadamente na indústria automotiva e ignoram a pesquisa científica, continuarão subalternos aos mais desenvolvidos e mais espertos, aos que pensam, calculam e planejam a longo prazo. Significa que, mais uma vez, estamos olhando para trás. Por que isso não me surpreende?