Thursday, September 9, 2010

Mulheres responsáveis pelo novo aterro sanitário, em Seropédica, têm desafio de transformar o lixo do Rio em ativo ambiental

RIO - Uma tem jeito de mãezona. Não perde a oportunidade de bater papo com as filhas debaixo da coberta. Outra é elétrica. A cada dia, visita uma unidade diferente da empresa em que trabalha e ainda arruma tempo para correr na praia, cuidar das crianças e cursar sua terceira faculdade. A mais nova é meio zen. Gosta de viajar para lugares exóticos, da Patagônia a Machu Picchu. Mas, apesar de personalidades tão diferentes, quando o assunto é trabalho, essas três mulheres falam a mesma língua. Luzia Galdeano, Adriana Felipetto e Priscila Zidan formam o trio de executivas que estará à frente da central de tratamento de resíduos de Seropédica, um empreendimento de R$ 81 milhões que receberá todo o lixo da cidade do Rio de Janeiro, hoje despejado no aterro controlado de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, que será desativado.

Serão nove mil toneladas de lixo por dia, vindas não apenas do Rio, mas também de Itaguaí e da própria cidade de Seropédica. O grande desafio das "damas do lixo" é transformar essa montanha de rejeitos em um ativo ambiental. Hoje, o Brasil produz 259 mil toneladas de lixo por dia, segundo os últimos dados do IBGE, referentes ao ano de 2008. Cerca de 72% dos municípios jogam os resíduos em lixões a céu aberto ou em aterros controlados, como o de Gramacho. Ambos são inadequados, pois não impedem a contaminação do solo ou da água pelo lixo. Apenas 27,7% das cidades brasileiras têm aterros sanitários apontados por especialistas como áreas apropriadas para o descarte. Nelas, o lixo é tratado e não há catadores ou urubus.

Assista ao vídeo: O Caminho do Lixo
Executiva não dispensa o perfume e o salto alto

O projeto de Seropédica será administrado pela Ciclus - sociedade entre as empresas Júlio Simões e Haztec e uma concessão pública da Comlurb - presidida por Luzia, de 44 anos. Com a experiência de quem comandou por nove anos a maior central de tratamento de resíduos da América Latina, em Caieiras (SP), essa paranaense de Pérola do Oeste pretende imprimir sua marca no empreendimento. Não dispensa perfume - Sintonia, da Natura, é um de seus preferidos - nem salto alto, mas dirige até caminhão, se necessário:

- Foi assim que conquistei minha equipe - diz Luzia, que vai liderar 600 empregados na nova unidade, cuja operação está prevista para início de 2011.

As obras começaram há duas semanas, com a concessão da licença da prefeitura de Seropédica. Desde então, Luzia vive na ponte aérea entre Rio e São Paulo, onde mora com o marido, Marcos, de 48 anos, e as filhas, Priscila e Larissa, de 21 e 18 anos. A família pretende se mudar definitivamente para o Rio até o fim do ano.

- Sou desprendida. Mas a família vai sempre junto. Faço questão de estar sempre com as meninas. Até hoje, ficamos debaixo da coberta conversando, como fazíamos quando elas eram crianças.

Adriana Felipetto, de 39 anos, também nasceu no interior, em Franca (SP), mas foi criada em praias cariocas. Graduada em engenharia civil e ambiental e com mestrado em finanças, esteve à frente de um projeto pioneiro de geração de energia a partir do gás resultante da decomposição do lixo na central de tratamento de Nova Iguaçu. O projeto foi o primeiro no mundo a ser enquadrado pela ONU no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, um dos instrumentos do mercado de crédito de carbono para mitigar os efeitos dos gases estufa. Na época, a central era administrada pela Novagerar, adquirida em 2008 pela Haztec, onde atualmente Adriana ocupa o cargo de superintendente.

A executiva quer repetir a experiência em Seropédica, onde o aproveitamento do gás terá potencial para gerar 30 megawatts (MW), energia suficiente para iluminar uma cidade de 200 mil habitantes. O tratamento do gás também evitará o lançamento de 1,9 milhão de tonelada de gás carbônico equivalente na atmosfera por ano.

- Um lixão tem custo zero de operação, mas o preço que a sociedade paga é alto. Os aterros sanitários têm um custo de R$ 45 por tonelada tratada, não poluem o ambiente e ainda geram arrecadação para a cidade. São a melhor relação custo-benefício para a sociedade - diz Adriana.
Tecnologia da nova central é inédita no Brasil

Adriana se divide entre as sete centrais de tratamento de resíduos que a Haztec opera. Nada que a impeça de correr na praia do Leblon, bairro onde mora, quatro vezes por semana. A ex-jogadora de vôlei - na adolescência era da equipe do Bradesco - também arruma um tempinho para assistir às aulas do curso de direito na PUC-Rio, sua terceira faculdade. E ainda atravessa a ponte Rio-Niterói uma vez a cada dois meses para renovar seu megahair. Frequenta o mesmo salão há oito anos e garante que o esforço para conservar o look vale a pena.

Como as duas colegas de trabalho, a carioca Priscila, de 31 anos, também exibe uma aliança na mão esquerda. Mas, como ainda não tem filhos, se dá o luxo de rodar o mundo ao lado do marido, Luiz Paulo. Um dos destinos que está na lista é a Síria, terra de seus bisavós paternos. Enquanto não põe os pés no Oriente Médio, é em uma escola de dança que busca sua herança árabe. Uma vez por semana tem aulas de dança do ventre:

- Como trabalho em um ambiente com muitos homens, sinto falta de um toque feminino. A dança me ajuda nisso - diz Priscila, superintendente de operações da Ciclus.

O projeto que une as três executivas vem sendo considerado uma fronteira tecnológica quando o assunto é lixo. O pulo do gato está na rede de sensores capazes de detectar qualquer vazamento ou tremor no terreno sobre o qual os resíduos são depositados. Nenhuma central de tratamento no Brasil dispõe dessa tecnologia. Além disso, o aterro terá uma tripla camada de polietileno - uma espécie de plástico ultrarresistente que impermeabiliza o solo - e um moderno sistema de drenagem, que suga o gás e o chorume resultantes da decomposição do lixo e os conduzem para uma estação de tratamento.
Comerciantes e políticos locais são contra o projeto

O que é solução para alguns, porém, tornou-se uma dor de cabeça para outros. Comerciantes, políticos e pesquisadores de Seropédica se mobilizam para barrar o projeto. Há ações no Ministério Público Federal e Estadual. Eles alegam que o aterro será erguido em uma área de nascentes que abastece o aquífero Piranema. E que o empreendimento limitará a expansão da cidade, ao inviabilizar qualquer desenvolvimento de outra atividade econômica na região. Lembram ainda que a licença da prefeitura foi concedida pelo ex-prefeito Darci dos Anjos Lopes (PSDB), na sua última semana em exercício, antes der ser cassado por captação ilícita de votos.

- A área onde está sendo erguido o aterro também é vulnerável a inundações. Como garantir que um vazamento poderá ser contido a tempo? - pergunta Rosângela Straliotto, pesquisadora da Embrapa Agrobiologia.

Adriana Filipetto, da Haztec, frisa que a área onde ficará a central em Seropédica foi indicada por um grupo de trabalho da Prefeitura do Rio e que todas as licenças ambientais foram obtidas. Ainda que o lixo não contamine o solo ou o aquífero, o entra e sai de caminhões levando lixo para o aterro trará forte impacto logístico, na avaliação do pesquisador da Coppe Luciano Basto:

- O aterro é imprescindível, mas sem dúvida trará impactos, como o aumento do tráfego de caminhões. Além disso deve ser pensado como parte da solução para o lixo, devendo ser acompanhado de uma política de coleta seletiva de resíduos.

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